Têm ainda carácter episódico, em Portugal, os casos de jovens ciganos que frequentam estudos superiores, na expectativa de se integrarem no mercado de trabalho e de prosseguirem uma carreira profissional, ou simplesmente para sua realização pessoal.
Justamente por isso, não é invulgar a comunicação social apontar um ou outro caso, como exemplo de sucesso e de superação de preconceitos e costumes atávicos, quantas vezes mais enraizados no seio da própria comunidade em que eles se inserem. Há poucos dias, Manuel Luís Goucha convidava para o seu programa de TV dois desses jovens, que deram testemunho firme disso mesmo. Falo de Priscila Sá, licenciada em direito e advogada estagiária, mulher independente e respeitada pela família, e de Natanael Santos, licenciado em gestão e em fase de conclusão da segunda licenciatura em Gestão de Recursos Humanos, na Escola Superior de Gestão de Idanha-a-Nova, e para quem os estudos e a carreira académica se perfilam como horizonte próximo mais provável. Em Setembro, Natanael tenciona inscrever-se no curso de mestrado, e daí ao doutoramento são apenas os passos que a sua vontade e determinação ditarem, segundo percebi do seu muito bem estruturado discurso.

É verdade que nos últimos anos o número de alunos ciganos tem aumentado, mas as cifras estão ainda muito longe do que seria desejável. Sinal de que resta um longo caminho a percorrer, em conjunto, a toda a sociedade portuguesa. Segundo o observatório das Comunidades Ciganas, em 2019 frequentavam as escolas públicas um total de 25 140 crianças e jovens ciganos. Segundo o mesmo observatório, a distribuição destes alunos pelos diferentes níveis de ensino era a que se segue: 2 570 alunos (10,2%) frequentava a Educação Pré-escolar, 21 919 (87,2%) o Ensino Básico (sendo que 44,3% frequentava o 1º ciclo) e 651 (2,6%) o Ensino Secundário. As assimetrias regionais detectadas neste estudo são muito significativas, quer no número de alunos, quer no sucesso, quer no abandono escolar, o que se justifica quando é certo que existem várias comunidades ciganas e não uma única comunidade cigana.
Já no ensino superior os números são ainda mais preocupantes, já que, apesar da existência de um regime de bolsas e apoios financeiros promovido pelo Programa Operacional para a Promoção da Educação, em 2020 foram apenas 39 os jovens ciganos beneficiários desta medida, para um total de 390.909 indivíduos matriculados no ensino superior em Portugal.
Em face desta realidade discrepante e indesejável é perfeitamente compreensível que casos como o de Priscila e de Natanael sejam ainda vistos como episódios pitorescos, objecto de espaço e de atenção mediática. Desejável será o dia em que as “Priscilas” e os “Natanaeis” deste mundo se confundam com todo o universo dos estudantes e jovens universitários portugueses. Apesar de ser igualmente desejável que se promova a preservação de todas as diferenças saudáveis, que caracterizam as muitas comunidades de que se compõe o nosso país, em homenagem da diversidade e da construção de uma verdadeira sociedade intercultural, orientada pelo principio constitucional da igualdade e da não discriminação, previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Natanael e Priscila não são apenas ciganos, não! São jovens portugueses, que ajudarão no futuro a construir uma sociedade mais inclusiva e mais igual, onde a discriminação não tenha lugar, e onde se possam garantir a todos as condições para uma participação plena e igualitária, na família, na comunidade, no bairro, na escola, na cidade, no mercado de trabalho, na actividade profissional, e na construção de um projecto de país diferente.
E porque não são apenas ciganos, sendo ciganos assumidos e orgulhosos, Priscila e Natanael, colaborando neste projecto conjunto, são jovens ciganos de muito valor, e por isso mesmo são exemplos de que todos nos podemos orgulhar.