Limão, um fruto ácido, que começou por ser medicinal e tem hoje uma multiplicidade de usos e consumos – imortalizado num fado de Amália Rodrigues, lembrado nas canções de Caetano Veloso e cantado em “Lemon Tree” pela banda inglesa “Peter, Paul & Mary” como uma metáfora de vida – vai ter uma “indicação geográfica protegida” na região de Mafra (IGP) reconhecida pela União Europeia.
O presidente da Cooperativa Agrícola de Hortofruticultores do Oeste, CRL, em Azueira, Domingos Santos, terá, sobre o assunto, uma reunião no próximo dia 6 e crê que a UE aprovará esta IPG para a região de Mafra, em menos de um ano.
Sobre a sua importância, Domingos Santos, que é um dos maiores sabedores da cultura do limão, possui diplomas, manuscritos antigos, extratos de livros, depoimentos de ancestrais e outros documentos de investigação sobre este fruto na região desde 1920, originário do sul asiático e trazido para Portugal com os Descobrimentos. O seu pai Domingos Júlio Ventura dos Santos, 86 anos, e que ainda mantém vivos alguns dos limoeiros trazidos de Sintra pelo seu avô, conta que tudo começou com a venda das bilhas de barro feitas pelos Oleiros do Sobreiro e Achada, aos aguadeiros que levavam a água a Cascais e Ericeira.
Descobriram que os aguadeiros juntavam pingos de sumo de limão para dar à água uma certa acidez, a gosto dos clientes. E então pensaram: “porque não fornecermos também os limões?” e assim terão sido plantadas as primeiras árvores do concelho de Mafra.
A figura de “indicação geográfica protegida” é diferente da criada “denominação de origem protegida” como é o caso da pera rocha, que só tem uma variedade e é produzida em toda a região Oeste, e ainda em Santarém e Leiria. Ao contrário, o limão, que não se come, mas dele se extrai, sob múltiplas formas, a riqueza das suas vitaminas C e E, reproduz-se em várias qualidades, tais como o Galego, o Eureka, o Lisboa… As suas variedades diferem, consoante as regiões e qualificações de cada país. Elas vão-se formando devido a mutações genéticas naturais, ainda que existam algumas variedades autóctones.
A cooperativa que dirige há quase 25 anos produz anualmente 1.600 mil quilos de limão essencialmente, consumido nos mercados urbanos, sendo os principais produtores, quer individuais quer sob a forma societária e empresarial, a Quinta dos Limoeiros (Domingos dos Santos), Manuel Batalha Rodrigues, Manuel Camarata, Nelson Biscata, Filipe Nunes, António José Camarate. Estes são detentores de oito ou nove hectares, uma dimensão mais competitiva, pois quem possui terrenos pequenos dificilmente pode concorrer com um produtor do Algarve com áreas de 70 hectares.
Quem percorre o concelho de Mafra cruza-se com vales de limoeiros de frutos amarelos ou verdes consoante a estação do ano, maioritariamente cuidados por homens e que exigem os mesmos cuidados como qualquer outra árvore de fruto, embora absorvendo mais água. Cada limoeiro, se for bom, dá cerca de 70, 80 quilos de limões.
A distinção qualitativa do limão
É um fruto sensível às geadas, a temperaturas baixas. Dá-se melhor na faixa litoral do concelho, nas encostas viradas para o Oceano Atlântico, sendo as suas características geográficas e climatéricas, nomeadamente o tipo de solo, influenciadoras da sua qualidade. A sua casca rugosa contém bolsas de óleos essenciais, o que torna o limão mais aromático e sumarento. Essa especificidade é destacada num comentário do chefe de produção da Gelataria Santini, SA – o melhor gelado do mundo:
“A Santini SA está em constante busca por matérias-primas que confiram caraterísticas únicas aos seus gelados e sorvetes. Para o fabrico do seu sorvete de limão selecionamos os melhores limões que encontramos na região de Mafra. O limão desta região apresenta características únicas de equilíbrio entre a acidez e o teor de açúcar. Permite a criação de um sorvete único onde as características de matéria-prima são bastante evidentes”, refere o texto.

Nos anos 80 e 90, a produção do limão na região de Mafra foi o principal motor económico para os habitantes das aldeias do Sobreiro, Achada, Arrebenta, Paul, Casal da Serra, Brejo e Fonte Santa. Eram na altura muito procurados pelas fábricas de citrinos nacionais e também para exportação, atividade hoje centrada na cooperativa da Azueira.
Na zona do Sobreiro-Achada, o limão assume grande importância para a comunidade local e, por isso, se realizou durante vários anos o Cortejo do Limão, havendo registos do primeiro realizado em 16 de agosto de 1981, cuja receita foi utilizada para a construção de infraestruturas de apoio à população.
Portugal é pequeno produtor na Europa, com cerca de cinco mil toneladas por ano, enquanto a Espanha produz 1.300 mil toneladas, sobretudo das zonas de Málaga e Múrcia. Temos ainda os limões de França, da Itália e da Grécia. Também Marrocos, Egipto e Turquia produzem estes citrinos, sento que a Turquia é o maior produtor, mas, devido ao seu clima muito quente, o limão é menos aromático. A China é um caso à parte de grande produção, dada a sua dimensão territorial.
No hemisfério sul os maiores produtores de limão são a África do Sul, Argentina, Uruguai e o Chile.
Às vezes há pequenas diferenças entre os diversos países produtores que nos dão leituras diversas. Domingos Santos dá-nos o exemplo na Europa onde designamos por “limão” ao fruto de tom amarelo. Na América do Sul chama-se “limão Taiti” ao que designamos por “limas” (verdes) e ao limão amarelo dão-lhe o nome de “limão siciliano”. No Brasil, o limão, para eles, são as “limas”.
Limão romano em Lisboa
Historicamente é referido que a parte ocidental do município olisiponense, na época do domínio romano, tinha muitos limões e terá sido de Lisboa levado um enxerto para a Califórnia, hoje uma das grandes zonas produtoras dos Estados Unidos da América. Diz-se que o rei de Portugal D. João V, que mandou construir o convento de Mafra, quando estava no Palácio Real anexo ao Convento, habitava a ala oriental do mesmo, enquanto a rainha a ala contrária. E quando desejava seduzir a rainha, enviava por intermédio dum lacaio, uma salva de prata com limões, que significava declaração dos seus reais desejos.

Na Europa, a produção de limões afirmou-se no século XV, sobretudo na costa mediterrânica com as culturas na Sicília e Costa Amalfitana, mas nos anos 50 foi encontrado em Pompeia, Itália, um mosaico com um desenho de um limoeiro, revelador de que os romanos conheciam o fruto, antes da explosão do Vesúvio, em 79 D.C. O imperador Nero terá usado o limão como prevenção a um eventual envenenamento assim como outros homens poderosos rendidos à fama que o fruto trazia da Ásia, associado a um antídoto de limpeza e afastamento de pragas.
Pela magia que este fruto nos vem transmitindo ao longo dos séculos, quer pela sua acidez metaforicamente aplicada aos amores sofridos, quer pelo aroma ao serviço da cosmética ou sabor no enriquecimento da gastronomia, deixamos aqui o refrão da melodia Lemon Tree (anos sessenta), por ser uma simbologia a um percurso de vida: Lemon tree is very pretty and the lemon flower is sweet / But the fruit of poor lemon is impossible to eat”.