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“La Vuelta” e o Sorriso Amarelo de Olivença: Uma Volta Ciclística pela História Esquecida

Era um dia de sol, típico de Agosto, quando as bicicletas coloridas da “La Vuelta” partiram de Lisboa, serpenteando pelas estradas portuguesas até se lançarem rumo a Castelo Branco, antes de cruzarem a fronteira para a terra vizinha. Que espetáculo de cores, de suor, de esforço! Ah, como é bonito ver o mundo através das lentes de uma câmara de televisão, onde tudo parece harmonioso e sem atrito, onde o desporto une nações e atravessa fronteiras, esquecendo-se por um breve instante dos litígios que o passado deixou por resolver.

Mas, como qualquer boa história, há sempre mais do que aquilo que se vê. E, como diria o jornalista Carlos Magno na sua mordaz crítica, “La Vuelta” poderia muito bem ter começado em Olivença. Afinal, não seria poético que a volta espanhola desse os seus primeiros passos em solo português, mas num pedaço de terra onde se fala espanhol? Uma ironia fina e quase invisível, tal como os marcos de fronteira que ainda hoje aguardam para ser colocados entre o Caia e o Guadiana.

Em 1998, quando “La Vuelta” partiu pela primeira vez de Lisboa, o feito foi um troféu comemorativo da Expo 98, um momento em que Portugal abriu as portas ao mundo e mostrou ao seu vizinho que também sabia organizar grandes eventos. Em 1992, a Expo em Sevilha havia sido um sucesso, e Lisboa seguiu o exemplo. Mas a história recente de “La Vuelta” é menos uma celebração e mais uma necessidade financeira. Com a crise a corroer as finanças espanholas e a Catalunha a mexer na panela do independentismo, o dinheiro tornou-se uma preocupação constante. E que melhor solução do que vir buscar um milhão de euros a Portugal? As autarquias que pagaram o preço receberam a sua dose de publicidade e alguma notoriedade, como Ourém, que soube vender bem o seu território. Castelo Branco, por outro lado, ficou a ver navios, falhando miseravelmente na promoção que tanto prometia.

Mas voltando a Olivença. Ah, Olivença! Essa ferida aberta, esse calcanhar de Aquiles da diplomacia luso-espanhola. Uma cidadezinha pacata, perdida nas planícies extremenhas, que para muitos é espanhola e para outros é portuguesa. Em 1801, foi levada pela força das armas no Tratado de Badajoz, um golpe que Portugal nunca aceitou realmente, apesar das aparências de boas relações entre os dois países. Em 1817, a Espanha prometeu devolvê-la. Hoje, 2024, continuamos à espera.

Que melhor lugar, então, para iniciar “La Vuelta” do que em Olivença? O território que é de todos e de ninguém, onde a linha entre Portugal e Espanha é tão ténue quanto uma nuvem no céu. Seria um início carregado de simbolismo, uma forma de recordar a ambos os países que, apesar das pedaladas e dos aplausos, há questões que não se resolvem com um sprint final ou uma subida a pique.

Mas, claro, tal gesto seria demasiado eloquente para ser considerado. Melhor seguir a tradição e ignorar as feridas históricas. Melhor desviar a atenção para as cores das camisolas e o brilho das bicicletas, enquanto o passado continua a pairar como uma sombra silenciosa sobre as estradas onde “La Vuelta” passou. No fim de contas, Olivença continua ali, esperando que alguém, algum dia, se lembre que há promessas por cumprir e marcos por colocar.

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E assim, a “La Vuelta” segue, rodando pelas estradas de Espanha, Portugal, e pelas páginas da história que, por vezes, preferimos esquecer.

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Fernando Jesus Pires
Fernando Jesus Pireshttps://old.oregioes.pt/fotojornalista-fernando-pires-jesus/
Jornalista há 35 anos, trabalhou como enviado especial em Macau, República Popular da China, Tailândia, Taiwan, Hong Kong, Coréia do Sul e Paralelo 38, Espanha, Andorra, França, Marrocos, Argélia, Sahara e Mauritânia.

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