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A herança nefasta da má gestão territorial autárquica

Portugal em ruínas:

As permanentes transformações sociais, económicas e tecnológicas, sentidas em ciclos cada vez mais rápidos, têm reflexos decisivos no território, sendo, porventura, as dinâmicas demográficas e migratórias a face mais visível desse processo.

O abandono do espaço rural, em larga medida motivado pela crescente mecanização e intensificação da agricultura, mas a que não é alheia a deliberada dependência alimentar adoptada por sucessivos governos, em linha com as directivas da Política Agrícola Comum da União Europeia, entra sazonalmente na narrativa oficial, na época dos incêndios rurais.

Nessa altura, alinham-se os discursos e muitos afirmam que os incêndios são, em grande parte, consequência inevitável do abandono rural, ou porque se deixaram cair práticas agro-silvopastoris ancestrais, mas de incontornável valor para a gestão de combustíveis, ou porque as explorações florestais intensivas de espécies exóticas têm em si esse risco associado.

Porém, há uma outra face desta moeda, que não sendo tão nefasta como aquela é igualmente trágica. Trata-se do abandono e da falta de conservação do património edificado das vilas, aldeias e lugares do interior do país, assunto incómodo ao qual não se tem dado a atenção devida, mas que cada vez mais se torna difícil de ocultar.

Com efeito, há já um Portugal devoluto, mesmo em ruínas, realidade que se antecipa ser apenas uma ínfima parte de um problema maior, que se colocará, inevitavelmente, dentro de um par de décadas, às autarquias locais, em resultado de más práticas ou mesmo de ausência de quaisquer políticas de gestão territorial e urbanística.

Descrever hoje algumas povoações raia beiroa é verdadeiramente desolador, já que os seus antigos cascos urbanos são pouco mais do que escombros adiados. O Exercício é penoso, mas fácil de concretizar: portas e janelas escancaradas, paredes em ruínas, telhados caídos. Em duas palavras, escombros e entulho! Ao risco de derrocada que alguns edifícios apresentam, colocando em perigo a vida de pessoas e bens, somam-se questões de saúde pública, já que esses escombros se transformam, não raras vezes, por efeito da decomposição dos vigamentos, mobiliário e diversos objectos aí abandonados, pelos herdeiros absentistas dos anteriores proprietários, em locais onde proliferam bactérias e animais nocivos, como ratos, baratas e percevejos.

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DR

Em face de situações como estas, começam a ser comuns as denúncias dos vizinhos às autarquias. As mesmas reagem notificando os proprietários, para repararem as suas edificações, ou, quando isso não acontece, pela sua inércia, ou por vicissitudes diversas que se prendem com a dificuldade em determinar quem eles sejam, pela posse administrativa do imóvel que ameaça derrocada, com vista à solução da ameaça

É verdade que esta realidade, como já se referiu, é consequência de dinâmicas associadas a fenómenos que estão muito a montante dela. Mas é igualmente certo que as autarquias dispõem de instrumentos de gestão e de competências próprias, para efeitos de planeamento e de ordenamento do território e do urbanismo, que, a terem sido promovidas, poderiam muito bem ter mitigado estes efeitos.

Não obstante, por falta de visão estratégica, por simples incúria ou incapacidade, negligenciando o dever da boa administração, não tendo lançado mão atempada e eficazmente desses mecanismos, nem criado sistemas de incentivos à conservação e preservação do património edificado, as autarquias estão agora confrontadas com um mundo rural em ruínas, e não podem alijar as suas responsabilidades, por criarem e transmitirem este triste legado às futuras gerações.

Penso que o problema já não tem solução, a não ser que haja uma rápida e drástica mudança de paradigma, o que não se afigura provável. A continuar este ritmo de despovoamento, muitas aldeias e vilas do interior estão condenadas a desaparecer a muito breve trecho. Mas talvez ainda se vai a tempo de, pelo menos, promover um debate sério e alargado sobre o problema, antes que o interior de Portugal não passe de um criminoso amontoado de escombros e de ruínas.

 

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Pedro Rego
Pedro Rego
Advogado. Escreve artigos sobre diversas temáticas para o jornal ORegiões.

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