O município de Vila de Rei, distrito de Castelo Branco, só conheceu um impulso reformista e progressista a partir de 1990, afirma o vice-presidente da autarquia, Paulo César Luís, destacando a construção de acessos viários. A electricidade, um símbolo de progresso e desenvolvimento, só chegou à aldeia de Aveleira, no concelho de Vila de Rei, em 1970, tendo sido festejada com foguetes a chegada desse bem, e só em meados dos anos 80 é que os habitantes dessa aldeia tiveram direito a água canalizada.
Paulo César Luís, vice-presidente da Câmara Municipal de Vila de Rei, faz parte da geração de políticos que nasceu depois do 25 de Abril de 1974. Não se identifica com o hino da terra, que canta um povo pobre e esquecido no interior de Portugal, mas reconhece que era esse o sentimento de quem habitava o centro geodésico do país.
Hoje o concelho é atravessado pela variante da Estrada Nacional 2, que encurtou “o tempo” para chegar a Abrantes e à Sertã, e que liga à A23, já concluída nos anos 2000. Ir a Lisboa, recordou, era “uma jornada”.
“Foi com esta estrada [variante Nacional 2], já no final dos anos 90, que sentimos que efetivamente pertencíamos a este país e que não eramos um ponto esquecido no mapa”, contou o autarca.
Mesmo as trocas comerciais com os municípios vizinhos eram dificultadas pela velha e serpenteada estrada, tanto para norte, como para sul. O acesso mais direto a Ferreira do Zêzere era a travessia de barca.
Relações comerciais com concelhos vizinhos
“Só ganhamos um impulso extra com a construção da ponte (em 1993/94), que nos facilitou e muito a relação comercial com o concelho de Ferreira do Zêzere e novamente estamos a entrar nos anos 90. Aquilo a que nós assistimos é que desde o 25 de Abril até 1990, só a partir dos anos 90 é que sentimos um impulso reformista e progressista no concelho de Vila de Rei, até aí não”, afirmou.
Numa edição de dois volumes da Câmara Municipal de Vila de Rei (Contrastes e Transformações), assinala-se a mudança de regime em 1974 e o “isolamento” e “atraso” em que estava mergulhado o concelho, como “tantos outros”, bem como a construção de infraestruturas nos anos que se seguiram.
“Havia a estranha convicção de que as estradas, principalmente a estrada nacional, era coisa má, pois representavam uma porta de saída”, lê-se no segundo volume. Eram necessárias quase seis horas de caminho para percorrer os 170 quilómetros que separam Vila de Rei de Lisboa.
Água canalizada só chegou nos anos 90
Foi também nos anos 90 que o município começou a ser servido por uma rede de água potável, a partir da albufeira de Castelo de Bode, que pôs termo às captações precárias e sem controlo de qualidade, provenientes de furos e minas.
“A minha aldeia estava com valas por todo o lado”, recordou o autarca, confessando que o episódio que mais o marcou da chegada do progresso à aldeia onde nasceu, Milreu, foi quando um dos irmãos caiu dentro de uma vala do saneamento: “Foi uma festa [risos]. Para o meu
irmão não foi uma festa, mas para nós foi, porque ele ficou numa vala que era muito superior a ele. Também dá para ver as condições de segurança das obras naquela altura, era de qualquer maneira”.
‘’Encurtar’’ caminhos…
O concelho vivia muito da extração de madeira e o comércio era “arcaico”, admitiu Paulo César Luís. Levavam-se as cabeças de gado vivas até Abrantes, para a feira, “numa jornada extraordinária”, que se repetia no regresso, “sempre a pé”.
“É indescritível isto, mas era assim que se vivia na altura”, afirmou. A prática manteve-se mesmo depois do 25 de Abril. “O tempo que demorávamos a chegar a Abrantes era quase o que demoramos hoje a chegar a Lisboa”, sublinhou.
Além de estradas, foi necessário abrir outros caminhos nos últimos 50 anos. “Tivemos de crescer mentalmente para começarmos a crescer economicamente”, defendeu o autarca, referindo-se aos passos que foi preciso dar na educação. A grande maioria da população era analfabeta ou tinha poucos anos de escolaridade, não chegando a concluir a quarta classe.
Universidade sénior: um polo de convívio
A Universidade Sénior de Vila de Rei reúne hoje pessoas com diferentes tipos de formação, tenham ou não conseguido prosseguir os estudos. O leque de atividades vai do teatro ao ‘walking football’, modalidade em que é proibido correr, apenas se pode andar. Os participantes têm quase todos mais de 65 anos e andam “bastante entusiasmados”.
José Costa, 61 anos, participa nos treinos quando é desafiado. Mudou-se de Azeitão (Setúbal) para Vila de Rei, onde a mulher tem família, e começou por frequentar as aulas de teatro. Na juventude, fez teatro e integrou bandas que tocavam nas aldeias. Com a saída da professora de teatro da Universidade Sénior, foi convidado para assumir a função.
Agora quer criar em Vila de Rei um grupo de teatro: “Tenho um projeto aqui e já falei na câmara, está aprovado, para formar um grupo de teatro independente, amador, e abrir à comunidade. A minha ideia é misturar o pessoal da Universidade Sénior com as pessoas de fora. Já tenho dois miúdos. Leram uma peça que escrevi e gostaram imenso. Estamos agora na fase de tratar dos seguros, aquelas burocracias todas. A minha intenção é misturar as pessoas”, avançou.
Outro projeto que pretende concretizar, mas ainda a reunir financiamento, é levar as pessoas de Vila de Rei a lugares onde nunca foram. “Há pessoas aqui que nunca viram o mar”, revelou