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Dos fundos europeus aos “tops” turísticos

O engodo fatal

Longe não chega o que de mão estendida permanece. Em época de mais uma tranche de fundos europeus, agitou-se na comarca a costumeira súcia de patifes, babando-se desavergonhadamente na antevisão de vir a fazer uns desvios para proveito próprio. Ufanos, os autarcas inventaram obras de encher o olho e prepararam-se a todo o gás para mexer no que bem estava e assim deveria permanecer. Mas não, faça-se obra! Quanto mais não seja para justificar a bendita verba.

Deixo aqui o exemplo da minha aldeia natal, Caldas de São Jorge, onde o poder local descaracterizou todo o espaço circundante às Termas, ou seja, o âmago da sua alma. Os muros de granito ancestrais que separavam a estrada do rio Uíma e que em todo o redor do parque de frondosos plátanos se apresentavam foram ser demolidos para tornar o espaço “mais homógeneo”. Um aberrante crime que nos remete para aqueloutro, já com uma boas décadas, de Siza Vieira, na Baixa da Invicta. A quanto obriga o cego dinheirame, senhores meus!

Dos fundos europeus aos “tops” turísticos
Caldas de São Jorge Foto: DR

Os fundos comunitários foram (e continuam a ser) um presente envenenado que serviram sobretudo para destruir o nosso tecido económico, a nossa capacidade de realização e, não raras vezes, partes significativas da nossa identidade. Feriram de morte as nossas pescas, os nossos têxteis, a nossa agricultura, e macadamizaram de Norte a Sul o país, tendo no processo e em contraciclo com a Europa aniquilado umas quantas linhas ferroviárias, algumas delas de grande valor histórico e cultural.

Foi o caso do comboio que deixou de chegar a Bragança, ficando-se pelo Pocinho. Para trás deixaram desoladores cenários de carris ao abandono com as ervas daninhas a tomaram conta de tudo. De falta de asfalto não nos podemos queixar; ao menos isso. É, porém, um asfalto que garante sobretudo a entrada no nosso país de camiões TIR carregados com produtos estrangeiros e pouco serve para melhorar as condições dos nossos montes de além. Num ápice implantaram-se os programas POLIS, FEDER e outras procriações com nomes pimpões para parecer bem, mas que bem lá no fundo não passaram de uns belos arranjinhos para encher os bolsos de gente trapaceira – como todos bem sabemos, só uma reduzida quota dos dinheiros da Europa foi aplicado no local certo. Ele foi construir estádios de futebol a eito; ele foi dar a ganhar uns bons cobres a uns empreiteiros compinchas; ele foi dar de mão beijada a uma pindérica arquitecta a icónica praça do Tourel, em Guimarães, espaço comunitário em três tempos aniquilado; ele foi utilizarem-se materiais pouco ou nada adequados às circunstâncias climatéricas dos locais intervencionados com os resultados que agora estão à vista: instalações com uma ou duas dezenas de anos que mais parecem atestarem centenas de luas no lombo.

Dos fundos europeus aos “tops” turísticos
DR

Um dos exemplos mais gritantes, um verdadeiro “colocar a carroça à frente dos bois”, era o dos equipamentos para abastecer os carros eléctricos. Foi vê-los, anos a fio, a apodrecer sem nunca terem sido utilizados.

No caso concreto da programa POLIS, a Costa da Caparica foi um dos melhores exemplos, pela negativa. Instalações degradadas e o Parque da Cidade transformado em exclusivo recinto festivaleiro nos meses de Julho e Agosto.

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Passada a febre das modernices à europeia, surgiu então – ainda está por apurar o que se esconde por detrás – a moda de transformar Portugal num destino turístico favorito fortemente publicitado pelas principais cadeias televisivas e revistas de viagens. Numa semana era Lisboa considerado “o melhor destino do mundo”, na outra já o era o Porto, que agora é também considerado “o melhor local para fazer amigos e para se apaixonar”. Mas que patetice pegada. Mas logo rejubilaram os utentes das redes sociais, transformados em patriotas de uma noite para a outra com a chegada em catadupa de estranjas prontos a esbanjar o graveto, e, já agora, a adquirir ao preço da uva mijona o que nos pertence. Será que não percebem que se trata de um engodo?

Ou seja, adoçam-nos a boca para melhor nos poder comprar. Quem é seguro de si não necessita de elogios, sobretudo quando estes são falsos e provisórios. Não tenhamos ilusões, Portugal nem é mais bonito nem mais feio do que qualquer outro país deste planeta. Temos os nossos trunfos, como os outros têm os deles. Nem mais, nem menos. E se é verdade que somos detentores de grandes formosuras, abundam também entre nós os horrores mais escabrosos. Em Portugal a floresta já era. As pobres manchas que sobram mais parecem fantasmas ao longe e todos sabemos que têm os dias contados.

Se não são os fogos de Primavera, Verão ou Outono, é uma qualquer medida camarária, pois não é só na Assembleia da República que abundam as nulidades neste desgraçado país. Temos o pior ordenamento territorial da Europa. Ou melhor, não temos qualquer ordenamento territorial; apenas o Alentejo tem algo que se possa aproximar do conceito. Nesse domínio não somos exemplo de nada e qualquer país da Europa nos pode dar lições. Resta-nos, no dizer de Santo Agostinho, “as duas filhas lindas” da esperança: “a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las”.

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Joaquim Magalhães de Castro
Joaquim Magalhães de Castro
Licenciado em História, tem trabalhado nas últimas décadas na imprensa de Macau e em diversos jornais e revistas portuguesas. É autor de mais de uma dezena de livros ( Recomendados para o plano nacional de leitura) e onze documentários televisivos.

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