Domingos Santos, agricultor, há 25 anos à frente da cooperativa FRUTOESTE, na produção da pêra rocha, maçã e limão, fala-nos com paixão sobre a terra e é crítico em relação ao abandono da agricultura e às políticas governamentais que não fomentam a fixação de jovens ao setor.

No escritório da cooperativa com 110 associados, de onde se avista a azáfama da escolha e seleção dos frutos entregues, Domingos Santos conta-nos que foi uma opção que fez aos 20 anos: dedicar-se à exploração agrícola em detrimento dos seus estudos. Recorda que começou aquando da adesão de Portugal à União Europeia (1985), em que a injeção dos fundos comunitários proporcionou um crescimento vertiginoso e de evolução social em todos os sectores do país.
E foi nessa altura que, ao verificar que os seus pais já tinham dificuldade em acompanhar essa evolução também na agricultura, surgiu o dilema: “ou ia continuar os estudos ou pegava na exploração que eles já tinham. Foi uma opção consciente. Era preciso sangue novo”, referiu Domingos Santos, que desde muito cedo revelou grandes capacidades de gestor em associações locais, coletividades e em órgãos municipais. “Gosto de dominar os processos!” admite o presidente da cooperativa de agricultores que é também vice-presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP).

Natural da aldeia da Barreiralva, do concelho de Mafra, Domingos Santos diz ser uma pessoa que gosta de coisas simples. Costuma comprar os seus carros em segunda mão, faz férias reduzidas e diz que sente a responsabilidade. “Não gosto de pôr-me em bicos de pés”, mas “sei que sou detentor de grande crédito. Gosto de seriedade e fidelidade”. E para corroborar a sua convicção diz: “Se eu quisesse comprar um trator novo, de 60 mil euros ou mais, punham-mo aqui, na hora…”.
Traça um retrato da agricultura, onde ainda há poucos anos (15 ou 20), grande parte das pessoas tinha alguém ligado, mas hoje há cada vez menos. “A agricultura é vista como uma forma romântica, e muitas pessoas urbanas pensam em fazer uma horta, viver bem…, mas esquecem-se que a agricultura é um setor da atividade económica que tem de ser rentável como qualquer outra. É a base da nossa alimentação e, por isso, mais sensível e mais suscetível não só a fenómenos da natureza, mas também de fenómenos humanos”.
Neste momento, “a agricultura está muito atingida, flagelada pelas alterações climáticas que põem em causa a sustentabilidade de algumas fileiras, mas a agricultura é uma atividade económica com maior responsabilidade social ambiental e de sustentabilidade alimentar, ou de segurança alimentar”.
O presidente da cooperativa tem testemunhado de forma direta a evolução deste sector em termos de modernização de estruturas de mercados e nota que, se há 30 anos tínhamos a maior parte do comércio nas mercearias de bairro, hoje 60 por cento dos produtos passam pela moderna distribuição.
Do ponto de vista técnico, científico e social refere que “tal como na saúde humana e animal, também a saúde vegetal registou grandes progressos: “Hoje temos uma melhor formação das pessoas e além disso temos, através da própria formação profissional, quadros técnicos de engenheiros agrónomos, espalhados pelo país, ao serviço dos agricultores direta e indiretamente, e pagos por estes. “Tudo isto tem reflexo na qualidade da agricultura que fazemos, dos produtos que consumimos”, considera.
Mas, por ser um setor sensível, também não está imune às crises sociais, climatéricas ou aos efeitos das guerras que sofremos e que se refletem na quantidade produzida e nos preços finais ao consumidor.
O que está a acontecer neste momento com os produtos agrícolas é que eles não conseguem acompanhar o grande aumento do custo, ou seja, o valor de venda não consegue acompanhar o valor do custo de produção. Domingos Santos alerta que “se fossem acompanhar esses custos, grande parte das pessoas deixava de comer!”. Refere que quando se fala hoje no aumento do custo dos bens alimentares, a população, porque desconhece o seu processo, fica muito assustada com um aumento de 30 e 40%, mas se nós olharmos ao aumento de muitos dos fatores de produção, muitos deles foram na ordem de 300%.
“Em termos estatísticos, houve um aumento em média – estamos a falar até ao primeiro trimestre de 2023 – à volta de 30% nos fatores de produção e só foi refletido em 12% no valor de venda dos agricultores. Nós só podemos falar pela nossa parte e depois há o comércio que tem de responder por si. Nós não controlamos se tem margens elevadas de lucro, se aumentaram…”
O gestor observa que os produtores enfrentam atualmente um grande desafio, porque eles começam a ter ofertas de rentabilidade de outras atividades e pensam: “porque hei-te estar aqui um, dois anos, se tenho outras atividades profissionais que me dão lucro com menos chatices?”.
Domingos Santos, há 39 anos na agricultura, verifica já uma certa desertificação agrícola pelo abandono direto, mas também o que resulta da ausência de renovação geracional: “a população está envelhecida. As pessoas vão deixar de produzir, não há um seguimento.
Se na faixa litoral não é tão evidente por estar próxima dos centros de consumo e é sempre mais fácil escoar os produtos, porque a população está maioritariamente na faixa litoral, nas regiões do interior a desertificação é muito mais evidente.
Crítico, Domingos Santos diz que se esquece que a modernidade da agricultura exige meios e sem eles “qual é o jovem que quer ficar no sector se não tiver rentabilidade para ter uma vida normal como a de um jovem próximo da cidade? Quando não tem internet, a maior parte das vezes, nem rede telefónica? Qual o miúdo que quer ficar na agricultura assim?”.
Depois, acrescenta, “diz-se que não vão fazer-se mais barragens… ora hoje se não houver água para regar a agricultura não tem viabilidade. Se o agricultor não tem condições, é lógico que fuja… E isto é um problema que não se quer encarar e nos ataques que hoje se fazem à agricultura… que os agricultores estragam o ambiente, poluem… é uma falácia brutal. É a tal visão romântica da agricultura estratosférica”.
O presidente da FRUTOESTE afirma que a agricultura é o setor de maior peso na preservação ambiental e acentua: “se se desertificar o interior o que vai acontecer? Poluição, através dos incêndios. Na faixa litoral não há os grandes incêndios. Há os que duram umas horas, não os que ficam uma semana a arder… Se não houver pessoas nos territórios fica tudo ao abandono”. Depois, não há o ordenamento, “e não há ordenamento, porque não há rentabilidade económica. A verdade é que as pessoas querem rentabilidade. A pessoa não pode estar a trabalhar ao fim de um, dois ou três anos e acabar com menos dinheiro do que tinha no início. Isso não é possível, não sejamos hipócritas. E, ao não dar condições às pessoas, os jovens não se sentem atraídos para esta atividade”.

Domingos Santos nota que as políticas governamentais são contraditórias às exigências de mercado – as políticas são ideológicas e não são racionais – e, embora cada país tenha as suas orientações, a Espanha, Itália e Grécia têm tido políticas mais assertivas.
“É necessário e fundamental atrair jovens para a agricultura de forma que eles tenham sustentabilidade e o que se fez foi dar uma mão cheia de dinheiro a jovens, sem terem projetos nem estruturas que depois tenham sucesso. Ao fim de três ou quatro anos estão piores do que estavam. E estas casas (cooperativas) e os seus produtores podiam ter um papel importantíssimo, como uma espécie de tutores, a ampará-los. Em Portugal temos medo destas organizações, mas eles são micros. Cada vez mais estamos na globalização… e, portanto, também Portugal tem de dar capacitação às empresas”.
Domingos Santos considera que em Portugal “privilegia-se as coisas muito pequeninas em detrimento das coisas com alguma capacidade, o que é um erro estratégico” e acrescenta com o seguinte exemplo: “Em Portugal temos 44 organizações deste tipo, de produtores ligados à agricultura. A maior fatura são 40 milhões de euros. A Bélgica, que é um terço do território português, tem uma organização de produtores que fatura 430 milhões de euros…”.
A produção anual da FRUTOESTE anda pelos seis milhões de quilos das diferentes variedades de frutos, dos quais a especificidade do limão representa 30 por cento. “Poderia aumentar, só que as pessoas não se sentem atraídas para fazer agricultura”, diz Domingos Santos, que “nunca assina de cruz”, está “para servir as organizações”, mas, em fim de carreira, gostava de fazer outras coisas… como escrever um livro.